CIDA

Nascida e criada no circo, Cida tem vasta experiência nas artes e engenhos do circo itinerante. Foi rumbeira, trapezista, cantava no picadeiro, atuava nas peças de circo-teatro e fazia entrada com o palhaço. Hoje ela “toca” o Circo Dallas, junto com Luiz. A partir da entrevista feita em 2015, você pode conferir a narrativa da sua história, contada por ela mesma.

“Meu nome artístico sempre foi esse: Maria Aparecida. Eu nasci em Alagoas, dia 15 de agosto de 1958. Vou fazer 58, mas aparenta mais. Já nasci no circo. O meu pai e a minha mãe não eram do circo:  minha mãe é de Alagoinhas/BA e o meu pai é de Arapiraca/AL.  Ela fugiu com o circo –  nessa época não tinha esse negócio com menor, ela fugiu com 12 anos. O meu pai também saiu da casa dele novinho, morava numa roça.  Eles se conheceram no circo, já trabalhando,  aí depois de uns 3 ou 4 anos, ela se uniu a ele.  Construíram uma família, tenho um bocado de irmão…  muito aborto minha mãe fez. Somos 3 mulheres e 4 filho homem, morreu um, e todos nós nascemos no circo já.  Mesma coisa de mim, meus filhos já nasceram tudo no circo. Meu pai entrou no circo na época em que o circo era pano de roda, não tinha lona, era o tomara que não chova. Então o que meu pai via no circo dos outros, começou a ensinar a gente… tudo pequenininho. Como eu era a mais velha das mulheres, ele me ensinou. Na época, o circo era uma decadência muito grande, mas ele tinha vontade de aprender as coisas, se apaixonou pelo circo. Com idade de 6 anos, eu já comecei a ensaiar.  Tinha medo de altura, como toda criança tem. Armava o trapézio – mas não tinha teto – botava um pau de um lado e um pau de outro, e fazia o trapézio. Eu trabalhava junto com ele no trapézio, depois passei a trabalhar com o meu irmão. O que botava pra aprender, eu aprendia. Antigamente, apanhava muito pra aprender,  mas é aquele negócio: só tinha eu mesmo e meus irmãos! Porque é muito difícil lidar com pessoas de fora – com a família já é ! Família também é problema, imagina com os outros, qualquer coisa vai embora. Eu contracenava com o palhaço, comecei com meu pai, a entrar nas comédias, nas palhaçadas. Depois, quando eu tinha 18 anos, conheci Luiz e comecei a trabalhar com ele.  Cantava… tudo era com ele: comédia, palhaçada, a gente se entrosava bem – ele não queria outra pessoa pra contracenar com ele. E tendo filho daqui, filho dali, uma correria danada, muito difícil. Na época do meu pai – eu já tinha de 12 pra 13 anos – apareceram uns artistas aqui no circo. Esse pessoal passou a botar o circo pra frente, começou a orientar meu pai, colocaram uma lona muito bonita em cima do circo, colocou cadeira, fez um circo muito bonito. Na época, as peças teatrais chamavam drama, e o elenco que tava na época, a segunda atração, era muito bonita. Fazia cenário no palco, até tomava emprestado um sofá, um guarda roupa, um armário. E fazia as comédias. O povo se emocionava assistindo – como é até hoje, o povo nas novelas assistindo. O povo chorava no circo. E eu fazia algumas partezinha: tinha “Os Milagres de Santa Terezinha”, eu fazia a santa. Eu tinha um cabelão, eu era galega – meu cabelo era natural louro – fazia papel da santa. Às vezes cochilava, e meu pai “-Bora, bora”. Drama e comédia, o povo gostava era disso, vinha cedo comprar os ingressos pro circo. Os camarotes do circo era feito de ripa, meu pai fazia – Luiz também sabe fazer – botava capinha de flanela, o povo já reservava os camarotes pra vir com a família assistir. O povo chorava, mas era muito bonito. Então, como está o circo hoje tem muita gente penetra… a gente chega na cidade, as meninas vão casando, vão saindo do circo. Os rapazes também, sai do circo, vão morar numa cidade, vão se empregar pra lá. Pra mim, tem pouca gente com tradição de circo mesmo, sangue de circo mesmo. As meninas que entram, não são como a gente era, reservada. Nós era muito reservada, mocinha de circo – podia ser circo pequeno ou ser circo grande – ninguém via as moças do circo durante o dia, pela rua. Tinha o dia de ir: se ia toda arrumadinha, botava a melhor roupa que tinha, pra chamar atenção. Não ficava em muvuca, em balada, como hoje. Não tem mais mulher no circo – as do circo casou e foi embora. Às vezes,  o filho briga com o pai, vai embora pra outro circo, e a gente tem que aceitar as meninas da praça… aí num pode ver um pandeiro tocando na rua que quer tá lá, as roupas, ninguém pode empatar, o corpo quase todo de fora.

Na minha cabeça é assim: eu vou pro evento assistir o cantor, ver a voz, a letra. Mas a rapaziada hoje, tá vendo tanta mulher bonita, com o corpo todo de fora na rua, então elas tem que ter um bom trabalho no picadeiro pro povo admirar. E é difícil… eu já gastei aqui muito dinheiro com roupa de bailados… bailado disso, daquilo, dança disso, daquilo, coisa diferente. Já cansei gastando dinheiro com roupa de bailado, porque é bonito o bailado, a abertura do espetáculo. Eu rumbava e cantava. Antigamente, as rumbeiras que tinham voz boa, rumbava e cantava – as que não tinham, só fazia rumba. Dublagem não existia, na minha época, não tinha não. Tinha um circo que meu pai me levou, em Aracaju, que tinha uma Margarete que fazia dublagem. Mas nos circos pequenos, igual o nosso, não tinha. Agora meu pai tinha um negócio, que eu não suportava, no jeito de me apresentar: “-Com vocês, o diabo louro”.  Eu era bem loura, puxei a família do meu pai… mas me dava uma raiva… eu sou o diabo louro? Bota meu nome, ô meu pai, bota meu nome.! E era assim:  eu cantava junto com ele, ele trabalhava de palhaço. Quando eu vim viver com Luiz, o que eu sabia eu vim fazer com meu marido. Uma luta demais. Era assim, a gente cantava com um sanfoneiro. Com o passar do tempo – hoje chama banda – mas era com conjunto. Aí conseguimos montar uma bandinha aqui, um grupinho, já com guitarra, baixo… eu também cantava no quarto de hora, as músicas que estavam na atualidade. Luiz cantava também. Assim, quem tinha um pouco de voz, ia lá e cantava, pra chamar o povo. Era assim, a gente fazia qualquer coisa pra atrair o povo pra vir pro circo. 

Sempre eu tava barriguda, grávida ou de resguardo. Mas eu não podia ter resguardo. Paria na maternidade – graças a Deus sempre tive um bom parto.  Eu tava pra tudo, corria, dava uma mama, corria, fazia uma coisa. Morando em barraca, é mais difícil ainda. Calor… perdi um dos meus filhos por causa de calor,  em Tobias Barreto(SE). Calor demais, tempo quente, não tinha ventilação nenhuma. Entrou em vômito, disenteria, foi rápido, muito rápido, não teve jeito, situação difícil. 

 Meu pai, no início, não tinha o circo (de lona). Tinha um chamado pano de roda. Vou dar um exemplo: tem dois becos, botava uma lona na frente e a lona atrás, chamava tapa-beco. E ali nós dançava, se apresentava. Mas mesmo assim, o povo considerava que era um circo, depois ele começou a comprar pau de roda, colocava a lona ao redor. Antigamente, fazia com saco – hoje é tudo de plástico, mas tinha (saco) de farinha, que era parecendo algodãozinho. A gente lavava, desfiava, lavava pra sair a goma, encerava, com parafina, gás, tudo. Aí pintava, da cor de preferência. Fazia uma arquibancadazinha, que apesar do meu pai não ter nascido em circo, era um pouco inteligente. Abria a bilheteria, dava um tempo, meu pai chegava em uma lata: três sinais pra começar o espetáculo. Daí ele “pá”, primeiro sinal, era pro povo comprar o ingresso. A segunda chamada era pra gente estar arrumado. E a terceira, era para começar. O sinal era esse e o espetáculo era todo na sanfona mesmo. O povo do lugar já sabia, que a terceira chamada era pra começar. Muita gente já ficava lá na frente, tem lugar que é assim:  “não tem muita gente, não vou entrar”.  Aí eu digo, você vem ver o povo ou o espetáculo do circo? 

Quando minha mãe não tava na maternidade, tava com uma barrigona, nunca pude curtir minha mãe. Quem ajudava ela, era eu. Fralda descartável, não tinha, era eu que me acabava com tudo. 18 filhos, minha mãe teve. Um filho meu morreu, em Tobias Barreto, e o caixãozinho dele na minha porta e eu trabalhando. Cantando, com o nó na garganta, mas se apresentando, no trapézio. Mas eu trabalhei…  a vida é tão dura, eu já passei por tanta coisa, que nem me surpreende… quando penso que já vi de tudo, não vi não, 

Nunca me separei da minha família. Nasci no circo do meu pai Irajá, depois casei com o Luiz, Circo Havai, foi nosso começo. Depois foi o Dallas, 58 anos e 58 anos de circo. Parei de trabalhar no picadeiro depois de uns três filhos.