Capataz ponta firme, Clovis trabalhou em grandes circos, como o Circo Vostok e o Beto Carreiro. Já foi acrobata, atuando no picadeiro em números acrobáticos cômicos. Hoje é responsável pela capatazia do Circo Picolino e de outros grupos soteropolitanos.
“Em 86, eu trabalhava em metalúrgica. Deu uma fase de desemprego, naquela época do Sarney, nem lembro mais… desempregado, fazia diárias. Apareceu um circo, o rapaz perguntou se eu queria trabalhar, que me arrumava emprego, só pra desmontar. Aí, eu trabalhando, o encarregado do circo falou que ia subir a serra, perguntou se eu não queria acompanhar numas três ou quatro cidades. Aí eu pensei, vou fazer esse experimento. Peguei e embarquei no circo. Era o Circo Vostok. E de lá pra cá, o circo sempre foi minha casa, não me adaptei mais em cidade. Porque eu escolhi: vou aprender o que eu puder de circo, passar pros meus filhos, talvez. E assim aconteceu. Hoje eu estou aqui na Escola Picolino, muitos anos se passaram. Trabalhei no Beto Carreiro, Circo de Roma e circos médios do estado de São Paulo e Mato Grosso. Aí depois sim, Picolino, aqui na Bahia – depois do acidente da queda da lona, eu parei aqui. Foi uma queda que eu tive de uma lona de um circo, aí machucou bastante, tive que ficar no hospital na Bahia – porque o circo foi embora e eu tinha que ficar no hospital. Era o Bolshoi. Ele ainda ficou uns tempos, estava aqui quando eu passei pra Escola Picolino. Minha família foi fazer cachê no circo de Pimpão e o rapaz me chamou. Eu fiquei lá no circo de Pimpão uns tempos e ele que falou pra eu passar aqui na escola, que o pessoal estava com dificuldades de tensionar a lona. Fiz o trabalho e eles me contrataram.
Eu faço capatazia, sou capataz. Não é o capataz de fazenda. É assim, capataz circense, é o técnico em montagem, que conhece como montar a lona, terreno. Tem o dono, o gerente e o capataz é a terceira pessoa. No circo itinerante é assim. Eu me aprofundei a aprender com outros capatazes, foram 6 anos, depois que eu estava no circo, que eu assumi a profissão de capataz. Antes do circo eu era funcionário, peão, empregado. Aí, lá dentro desse Circo Vostok, logo que eu entrei no circo já tinha uma turnê anunciada no Uruguai, Argentina, América do Sul. O dono falou: “arruma seu passaporte, que você vai”. Dentro disso, eu fui aprimorando, a fazer acrobacias, aprendendo coisas dentro do circo, ser encarregado de pista, chefe de barreira, dar suporte aos artistas. Eu trabalhei no picadeiro com acrobacia. Era uma acrobacia doida, chama “os estúpidos”, uma acrobacia cômica. Eu tinha vários personagens, era um número de sucesso, de aceitação. “Aqualoko” eram uns alemães que faziam acrobacias como se fossem nadar, com roupas antigas – foi copiado daí. Era uma cama elástica, um plinto, um colchão, com piruetas, salto mortal. Eu comecei a praticar e fui formando, com o circo, a minha comunidade. Porque entra um funcionário, ele fica um ou dois meses, no máximo um ano, e vai embora. Eu não, queria ficar, fazer parte dessa vida, fui ficando.
Desde que eu entrei, até esse período, eu já tinha experiência como encarregado de pista, de aparelhos, de desmontagem de globo da morte, do trapézio de voos. A gente era encarregado de cuidar desses aparelhos, que eram do circo, não eram de artistas. O técnico dessas montagens era eu, com um pessoal. Então o circo chegava ou ia embora, o encarregado de armar e desarmar esses aparelhos era o chefe dos barreira. De vez em quando eu passo esse conhecimento pra rapaziada aqui, mas não são todos que colam.
Os meninos que chegam agora, eles querem aprender a ser artista, pra depois uma técnica ou alguma coisa. Mas eu já ensinei no circo itinerante muitos capatazes, muitos aprenderam junto comigo, porque eu nunca fui egoísta. Eu nunca escondi a trena e nunca deixei de dizer “isso assim é errado”,
No fim do Circo Vostok, em Jaboatão dos Guararapes(PE), eu tento esquecer isso… nem a data eu me lembro, se foi 2003 ou 2004, porque eu tenho que esquecer. Foi terrível, uma situação que ninguém queria passar: de ver um leão matar uma criança. Foi o que acarretou mesmo o fim dos animais de circo. Já tinha uma lei pra tirar, e aquilo ali piorou mais a situação pra tirar. Repercutiu mundialmente. Mas o leão tava na jaula, a jaula não arrebentou, o leão não saiu da jaula, por incrível que pareça. Mas ele puxou a criança pra dentro da jaula, uma coisa muito terrível. Até hoje eu tenho pesadelo, segurando mesmo a criança, tentando puxar e não conseguir. Não consegui salvar. Isso aí é muito complicado… podia ter feito outra coisa, ao invés daquilo que eu estava fazendo, em termos de defesa. Mas num teve como, depois que o leão pegou, a força dele é muito grande… eu nem gostaria de comentar isso. Mas fazer o que, o ocorrido está aí e muitos sabem. É uma coisa que não pode esconder, isso daí acabou com um dos maiores circos do Brasil – mais de 200 pessoas envolvidas com ele, no espaço do circo. E essas 200 pessoas ficaram a ver navios, porque uma tragédia desse tamanho acabou com o circo. A gente ainda tentou levar a frente, todo mundo se empenhou, mas não teve jeito. A marca ficou, e quando fica a marca, é terrível. Depois que aconteceu, a gente ainda ficou um ano tentando, mas a situação ficou tensa dentro. Mesmo a gente, que eram os mais velhos, mais chegados da família, não se entendia. Um desconfiava do outro: será que fulano pensa que eu sou o culpado disso?! Era público, uma perda muito grande, uma criança de 7 anos. Foi ali. A gente enfrentou justiça, enfrentou preconceitos: ” ah, vocês não são do circo que comeu a criança? “. O circo não. Um circo não come uma criança. Foi o leão que matou, mas não comeu. A gente felizmente não deixou. Mas aconteceu a fatalidade da criança morrer na hora que bateu a cabeça, que puxou. Em contrapartida fizeram uma covardia tremenda, foram lá e fuzilaram os leões… um pandemônio. A própria polícia, a própria lei de lá. Não tinha necessidade daquilo… aquele dia foi um inferno, pessoas de uma comunidade próxima se aproveitando da situação para saquear o circo, invadir as casas, “ah vamos incendiar”. Só quem viveu sabe… e nada de apoio da imprensa, tanto local como nacional. Eu mesmo logo me abati… no começo. Mas não adianta sair do circo por causa disso não. Decidi enfrentar, encarar. Fui lá no juiz, levei o advogado, juiz, promotor, teve a audiência tudo, o advogado falou: “Meu filho, olha, você pode ter certeza que está isento de qualquer culpa”. Mas já não era o pensamento das outras pessoas… a gente recebia telefonema, supostamente outros donos de circo, que estavam perdendo animais: “Olha, vocês vão morrer, por causa de vocês a gente está perdendo muito. É melhor vocês se mandarem do país”. Quem conhecia, sabia. Ele do outro lado não dizia quem era. Mas eu não abandonei não, e todos que estavam lá, ninguém deixou de ser circense por causa daquilo. Todo mundo encarou,
O circo é único. Pode ser no bairro pequeno, no bairro grande, onde o circo chegar, ele é notado. Pode ser que as pessoas não vão lá, mas é notado. E a curiosidade da criança que leva pro circo, é aquela história, todo mundo sabe: enquanto existir uma criança, o circo não vai morrer. Os donos de circo, não fiquem apavorados não… a época é difícil, mas evolua, faça… o circo tem que dar repercussão.