“Eu era a moreninha do bole-bole. Eu era a rumbeira sensação da época. Eu abria o espetáculo, eu dançava, entrava em comédia, cantava samba, baião…mandava brasa!” em entrevista cedida para Lívia Mattos, para o projeto Música no Circo.
Neide Silva, nasceu em Palmares (PE), morava em Aracajú com seu pai, sua mãe e mais três irmãos. Ela tinha 7 anos quando começou sua vida no circo. “O começo é um jornal, é uma lenda, eu nem sabia o que era circo”. Seu pai entrou no circo como fotógrafo, ele fotografava as filhas do dono do circo, artistas que vendiam suas fotos. Neide explica, que no final do número as Cantoras e Rumbeiras, ofereciam suas fotos perfumadas, como lembrança da sua arte, do seu trabalho. Era um suvenir, colocado nos ombros dos rapazes, um código que os homens da plateia já conheciam. Eles podiam comprar a foto ou uma fita perfumada como lembrança. Neide conta, que quando sua mãe faleceu, seu pai recebeu um telegrama do dono do circo. Ele pedia que seu pai voltasse ao circo, para tirar mais fotos de suas filhas. Seu pai devolveu o telegrama dizendo que estava viúvo com quatro filhos. O dono do circo por sua vez, enviou um outro telegrama dizendo: traga todos! E assim começou a vida no circo para Neide, seu pai e seus três irmãos. Seu pai não conhecia nada sobre as artes circenses, ele foi com toda sua coragem. Durante as viagens, ele acompanhava o dono do circo, que percebendo sua competência, lhe ofereceu também um trabalho como secretário. Nesse vai e vem, Neide e seus irmãos começaram a ensaiar alguns números com um rapaz do circo, que lhes oferecia treinamento. “Meu irmão aprendeu trapézio e corda indiana e eu fiquei com o contorcionismo”. Com o tempo, seu pai organizou uma trupe chamada “Lírio da Noite”, que fazia muito sucesso no povoado. “A gente era celebridade”. Com essa trupe, conseguiram organizar uma pequena arquitetura com pano de roda e placa, o que faltava, pediam emprestado. “Não tinha mastro nem nada. Eu já tinha uns 8 anos. Nesse intermédio a gente já estava com o circo da gente, chamava Luna Circo, daí fui trabalhar mesmo”. Neide fazia contorção e junto com sua irmã, dançavam rumba, eram Rumbeiras. “A gente fazia contorção, dançava rumba, naquele tempo era sucesso a rumba. Toda mulher tinha que rumbar”. Sua irmã também cantava bolero, samba-canção, samba e baião. Com o tempo a família se associou ao circo do “Chuvisco” um circo que tinha uma estrutura espetacular, com mais variedades. Neide comenta, que nesse circo, havia teatro e os números eram maiores. Também trabalhavam com gira, corda, contorcionismo e que as viagens e movimentações eram feitas com carro de boi e jumento, pois na época, eles não possuíam carro. A família continuou trabalhando, até que seu pai, conheceu uma mulher e se casou novamente. Ela também não entendia nada de circo, mas adorava todo aquele universo. Então os dois resolveram ter o próprio circo e assim fizeram. Começaram a ensaiar. Seu pai era palhaço e sua madrasta, fazia trapézio e cantava. Conseguiram ter seu próprio circo e montar uma pequena estrutura com bancada. “E no circo da gente não tinha mastro, era só contorção, subida de ponte, corda indiana, rumba, canto, palhaço”. Com esse pequeno circo, sua família viajava para lugares pequenos e roçados.Faziam amizade com a população local que realizavam o pagamento muitas vezes com comida. Durante esse percurso, apareceu o dono de um circo que já conhecia a trupe da família.
Ele buscava artistas para trabalhar com o circo teatro, e seu pai foi convidado para fazer parte das peças A louca do jardim e O louco da aldeia. Trabalharam durante um bom tempo com esse circo, porém, seu pai decidiu sair e viajar novamente com sua trupe familiar. Tinham apenas um pano de roda e conseguiam os caibros emprestados nas cidades onde chegavam. “Naquela época o pano de roda era bem fraquinho, que dava pra ver de um lado a outro”. Neide comenta, que alguns lugares onde se apresentavam, não havia energia elétrica, eles realizavam o espetáculo com a luz de farol ou candeeiro. Os lugares onde se apresentavam eram bem simples e o circo da família também. “A gente anunciava o espetáculo e o povo trazia as cadeiras. Aí ia colocando como um picadeiro. Quando terminava, o pessoal saia tudo com as cadeiras nas costas”. Com o tempo, seu pai conseguiu aumentar o circo e comprou um mastro de eucalipto para colocar números aéreos. “Era só a gente mesmo no nosso espetáculo, as vezes levava uma comédia. O truque de copo era só o copo pesadinho que podia fazer o que fosse que o copo não caía. Difícil era o trapézio, mas minha madrasta subia com ele na testa”. O circo foi ficando maior e com o tempo, seu pai fez cadeiras com encosto, mas ainda não havia cobertura a. O circo teve muitos nomes, Lírio da Noite, Real Bahia, Pindorama, Luna e Washington. Quando chegaram em Pindorama, mudaram o nome para Circo Leal Bahia. “Meu pai era palhaço, meu irmão fazia argola, trapézio, corda. Aí Zinho casou, construiu família e o circo aumentou. Os filhos começaram a crescer e ensaiar e foram aprendendo.” Quando o circo chegou em Juazeiro, Neide tinha 17 anos e conheceu um rapaz que era garçom do Grande Hotel. Eles se apaixonaram, se casaram e ele seguiu o circo. Seu marido entrou como empregado para armar o circo, mas como cantava bonito, em dia de espetáculo, pediam para ele cantar. Com o tempo além de cantor, também começou a fazer locuções, virou apresentador e ator. “Ele entrou no circo com 17 anos. Nós somos da mesma idade. Ele morreu com 51 anos, no circo, juntos. Eu tinha uma dupla com meu marido, Miúdo e Miúda. Eu me maquiava e me vestia de tabaroa, com roupa de roça e ele vestido de camponês e nós cantava as emboladas com piada. Era legal e acontecia no fim da temporada. A gente fazia a comicidade”. Juntos, apresentavam também as peças Lágrima de Mãe e A Louca do Jardim. Tiveram dois filhos que morreram, depois vieram outros filhos e todos se tornaram artistas de circo. Foram casados por 34 anos. Após a morte do marido, Neide largou o circo e foi morar na cidade de Cruz das Almas. Ficou por lá até seu filho Cleberson montar o próprio circo e convida-la para trabalhar com ele. “Ele comprou uma lona a prestação e todo o dinheiro que a gente ganhava ia pra pagar essa lona aí. Quando paramos de pagar a lona, ela acabou”. Foi durante o trabalho no circo do filho, que surgiu o convite para trabalhar na Escola Picolino de Artes do Circo. Ela começou no Picolino no ano de 1999 e desenvolveu o seu trabalho como professora por 07 anos. Depois, saiu da escola e comprou um rancho. Seu filho montou um novo circo e quando aparecem na cidade onde Neide mora, ela ajuda fazendo a bilheteria. Neide Silva, foi rumbeira, cantora, contorcionista e professora, e tem muito amor pelo circo. “Circo pra mim foi meu sonho. Foi tudo”. Agora com 69 anos, vive no seu rancho em Dias D’Ávila na Bahia. Tem muito orgulho dos seus filhos e netos. Todos são artistas e donos de circo.
(Texto de Eliana Correia, baseado na entrevista realizada com Dona Neide, por Lívia Mattos, em 2015, no município de Dias D’ávila/BA)